Em qual verdade você acredita?
“Posso não concordar com nenhuma palavra do que dizes, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-las”. Essa frase não poderia ser mais coerente e necessária para ser colocada em prática como nos dias atuais. O acesso indiscriminado à informação faz com que as pessoas medianas e ausentes de um prévio fundamento se julguem detentoras de uma pseudo verdade e se coloquem na posição de juízes, prontos para condenar ou absolver qualquer pessoa que, eventualmente, tenham algum pensamento distinto dos delas. Esse comportamento hostil é muito comum e pode ser observado com mais frequência nas redes sociais, pois estas se tornaram terra de ninguém.
O senso comum é um grupo majoritário de pessoas influenciadas pela grande mídia e pelos ídolos que constantemente são eleitos pela massa, sejam eles jogadores de futebol, artistas, blogueiros (os ditos influenciadores digitais), políticos e outras pessoas que surgem de tempos em tempos e ficam em evidência no mainstream. Nesse contexto é criado o “tribunal da internet”, local esse em que as regras - não muito claras - são estipuladas pelo senso comum para que todos as sigam. Qualquer pensamento diferente é uma afronta gravíssima e faz com que o dono daquela opinião manifestada seja alvo de retaliação e do chamado “cancelamento”.
Quando o senso comum cancela alguém, significa que tudo que esse cancelado fizer ou disser será inválido. Essa pessoa é removida de todos os grupos que até então participava e passa a ser considerada inimiga dos julgadores. Fora da internet, situação similar também acontece. A maioria das pessoas se aproximam daqueles que possuem pensamento igual ao delas mesmas, o que até certo ponto seria compreensível, uma vez que é normal e até saudável conversar com pessoas sobre assuntos dos quais haja comum interesse e que se tenha certa afinidade, o problema é quando isso vira uma parametrização, um pré-requisito para que o diálogo ocorra. Esse filtro é desproporcional e beira ao autoritarismo, criando as famosas bolhas ideológicas, que são responsáveis por eliminar a liberdade de expressão e alimentar as várias formas de segregação e preconceito.
Quando o diálogo ocorre somente e obrigatoriamente entre pessoas que pensam de maneira similar, há o congelamento na evolução do pensamento, sem contar que é um adubo perfeito para a intolerância. Há séculos, a humanidade vem evoluindo de maneira gradual, seja em aspectos éticos, morais e até em questões sobrevivenciais, e isso só foi possível graças à interação e cooperação entre vários indivíduos com pensamentos, crenças e perspectivas diferentes uns dos outros. Em um diálogo entre duas ou mais pessoas que pensam de maneira igual, raramente é possível surgir alguma ideia diferente ou inovadora. É como se estivessem utilizando uma viseira, um cabresto que as cegam e as tornam incapazes de criar soluções e melhorias para a realidade que as cercam.
Hoje, os “justiceiros sociais” utilizam várias expressões e adjetivos para justificar sua intolerância e censurar aquele que pensa diferente, como por exemplo, dizer que o que está sendo dito pelo outro é discurso de ódio, que ele não está em seu local de fala, que é criador de gatilhos, dentre outros. Os regimes totalitários do século XX na Europa também utilizavam as mesmas ideias, com palavras diferentes, para justificarem as barbáries cometidas e assim censurar quem discordava do que pregavam. No campo das ideias e do debate, qualquer opinião é válida, afinal, quase tudo na vida não passa de especulação, sem contar que não existe verdade absoluta, exceto a de que um dia todos morreremos.
Há aqueles que implicam até com os gostos e preferências pessoais dos outros. Essas opções individuais jamais deveriam entrar no mérito de discordância e censura, já que correspondem uma característica peculiar do indivíduo, que por sua vez, tem que ser respeitado da mesma forma que gostaria que os outros fizessem consigo.
Muitos podem confundir a defesa da liberdade de expressão com a conivência aos atos de calúnia e difamação, ou até mesmo em forçar um convívio com pessoas tóxicas, todavia, são coisas totalmente distintas. Imputar um crime a alguém sem acusação formal e sem provas (calúnia) é algo gravíssimo e, ocorrendo isso, é dever do acusado solicitar em juízo que o acusador prove sua acusação e que responda criminalmente por sua fraude, uma vez que esta atitude pode causar prejuízos morais e, em casos mais graves, até físicos, caso haja alguma retaliação de terceiros àquele que foi alvo da injusta acusação.
A difamação foge do espectro da discussão de ideias, pois visa atacar o emissor da opinião, não o argumento em si. Ainda que ela seja menos gravosa do que a calúnia, ela traz consigo um empobrecimento ao debate, pois não se sustenta no decorrer da conversa, se tornando assim uma válvula de escape para quem não consegue ter argumentos para discutir o tema que está em voga. A difamação é uma clara demonstração de despreparo emocional e de desespero de alguém no âmbito de um debate. Esta é uma ferramenta muito utilizada pelos “justiceiros sociais”.
Em última instância mas não menos importante, as pessoas tóxicas são aquelas que só criticam, que focam exclusivamente em problemas e não em soluções. Essas pessoas nutrem inveja e são totalmente antiéticas, demonstrando serem totalmente não confiáveis. Perceba que há uma diferença gigante entre ter uma opinião diferente e ter atitudes que extrapolam o bom senso e o convívio respeitoso. Ainda assim, é necessário respeitar o caminho que essas pessoas resolveram percorrer, embora você não seja obrigado a incluir essas pessoas no seu convívio social. Reitero que a tolerância deve ser exercida sempre com precisão, desde que o que esteja em debate não ultrapasse o campo das ideias e se transforme em agressão física.
A liberdade é o bem maior que o ser humano pode ter. Sem ela, não há o que se falar em outras condições e necessidades para que a vida siga seu curso, uma vez que tudo ao nosso redor gira em torno de escolhas e só é possível escolher algo se formos livres. É importante ter em mente que existe uma grande diferença entre liberdade e tirania. Aqueles que dizem amá-la mas a querem só para si, não a veneram de fato. Nesse contexto entra o respeito, tanto para si como para outrem, pois ele é o pilar básico para que a liberdade exista. A verdadeira liberdade consiste em entender que o seu limite é onde começa o do outro.
Texto autoral de Maycon de Souza
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