É impossível você fugir disso

 


O ser humano é muito parecido com as máquinas e, como tal, precisa de energia para fazer aquilo que foi programado. A programação das máquinas é feita previamente por seus criadores, que por sua vez definem qual será a funcionalidade que ela terá, bastando apenas que a eletricidade se faça presente para dar os impulsos necessários para que a ação se concretize.

Situação similar ocorre conosco, meros seres de carne e osso, a diferença é que cada um de nós possui milhares de programações que podem ser criadas, alteradas e excluídas ao longo da vida. No lugar da eletricidade convencional, o que nos move é outro tipo de energia. Esta possui uma conotação imprescindível como a das máquinas, mas, ao mesmo tempo, pode ser muito destrutiva se não for tratada corretamente. Essa força vetora a qual me refiro é o nosso velho e conhecido “desejo”.

O desejo nada mais é do que a vontade incessante de “ter”, e essa necessidade abrange todas as arestas possíveis, seja em termos materiais, emocionais, de status, etc. Ele é uma importante energia responsável por nos manter em movimento, pois através dele, conseguimos expandir os nossos horizontes e nos manter vivos. Quem não se move está morto, mesmo que esteja respirando e com o coração pulsando, por isso, o desejo possui um papel vital de suma importância que transcende as condições biológicas. Até esse ponto está tudo certo, no entanto, como seres racionais devemos sempre considerar o outro lado da moeda, e com o desejo não poderia ser diferente.

Uma vez que há a compreensão do papel fundamental do desejo, devemos ter em mente os malefícios causados pelo descontrole que, por vezes, é ocasionado por ele. Eu costumo caracterizá-lo como um lobo feroz que precisa urgentemente ser domesticado para não nos engolir. É exatamente a falta de domesticação que faz com que essa importante energia se transforme em um vilão na vida de muitos, o problema é que nem todo mundo tem consciência do quão nocivo ele pode ser. Isso, de maneira ingênua, afia os dentes desse lobo, o que faz com que os desavisados se tornem presa fácil.

O desejo, enquanto vício, anula a gratidão e nutre a insensatez de modo descontrolado. É extremamente comum a seguinte dialética: desejamos algo; movemos mundos e fundos até atingir o objeto do nosso desejo; após a conquista, um breve lapso de felicidade surge; após esse lapso findar, o tédio aparece; uma vez que o tédio se faz presente, consideramos a conquista supérflua e passamos a querer outra coisa ; novamente o desejo surge e a história se repete.

Embora ninguém esteja livre de ser pego por esse círculo vicioso, há a possibilidade de que a vítima insira pitadas de sensatez a fim de manter uma certa medida de equilíbrio. Nesse contexto, deve-se atacar a falta de gratidão e a ansiedade. Estas são grandes aliadas do desejo no que tange o desequilíbrio que ele causa na vida dos envolvidos. É necessário também se tornar um observador de si mesmo, e sempre se perguntar se você realmente deseja o que quer ou se apenas quer fazer uma carícia no seu ego.

Um exercício importante rumo ao equilíbrio é se imaginar alcançando aquilo que deseja, em seguida, se fazer a seguinte pergunta: “o que vou fazer depois que atingir esse objetivo?” Analise sua resposta e faça outra indagação: “após ter concluído meu objetivo, por quanto tempo isso me deixará grato?”. Tendo em mente essas respostas, você terá dado um bom primeiro passo para não se deixar levar pelas armadilhas perniciosas do desejo.

Em resumo, o desejo é algo inerente ao ser humano. Não se deve desprezar sua capacidade transformadora ou até mesmo demonizá-lo, haja vista que ele exerce um importante papel em nossas vidas, apesar de seus pormenores tóxicos. É necessário reconhecer que ele deve ser associado à racionalidade, para que assim, possa haver um entendimento acerca da necessidade em excluir os vícios e a patologia decorrente de sua desmedida. Ele possui duas faces, uma doentia e outra vital, por isso, é necessário uma reflexão aliada ao autoconhecimento para que se possa distinguir sabiamente se deve ou não dar corda a ele.

Texto autoral de Maycon de Souza


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