A arte do desapego

       

        Somos seres movidos pela paixão. Desde os primórdios, nossos ancestrais se viam na necessidade em adquirir posses; quando finalmente conseguiam ter o que queriam, lutavam ferozmente para mantê-las sob seu domínio, ainda que para isso fosse necessário matar quem ousasse tentar subtrair o que era seu. Quando se é apegado em algo, a paixão inevitavelmente se apresenta como mecanismo de defesa para preservar o objeto alvo do apego. Não é de se surpreender que a paixão é o sentimento dominante dos apegados, afinal, há algum outro sentimento mais cego e irracional do que este? 

          Em simples palavras, o desapego é a ausência do apego. Na prática, trata-se de uma característica que poucas pessoas conseguem instalar no emaranhado das qualidades humanas, uma vez que é necessário um exercício contínuo baseado em atitudes diárias que devem ser tomadas constantemente. O desapego é norteado pela racionalidade e principalmente pela compreensão de um fato que muitas pessoas ignoram: a impermanência da vida. 

          Muitos temem a morte e evitam ao máximo falar e pensar a respeito, mas a realidade é que ela é a única certeza que temos de fato. Um dia todos nós, independente de etnia, classe social ou credo, morreremos. Esta é a verdade absoluta e incontestável que une todas as pessoas. Por lógica, tendo em vista que a vida um dia tem fim (muitas vezes antes mesmo do que se imagina) não há o menor sentido ser apegado a qualquer coisa nesta existência, mas então por que o ser humano ignora este fato e insiste em cultivar o apego nas mais variadas áreas de sua vida? 

          Pesquisas científicas sugerem que o cérebro humano busca conforto o tempo inteiro para economizar energia. Quando se é apegado em algo ou alguém, automaticamente há a sensação de prazer momentâneo que, por sua vez, é responsável por criar uma atmosfera em que o indivíduo se sinta confortável e consequentemente não force o cérebro a ter grandes gastos energéticos que ele teria se não fosse uma pessoa apegada. Em outras palavras, o conforto e o apego são complementares e criam o sentimento de dependência, tornando o indivíduo escravo de suas paixões. 

          Tanto o apego material quanto o sentimental são extremamente nocivos. É impossível dizer qual deles é o mais prejudicial, haja vista que os colaterais provocam os mesmos danos e possuem as mesmas causas. O principal antídoto para combater o apego é praticar o desapego. É importante ressaltar que ser desapegado não é negligenciar as coisas e pessoas à sua volta, mas sim entender e convencer a si mesmo que tudo que acontece na vida tem um meio e fim; e se tudo que começa acaba, qual o sentido em acreditar que o alvo da sua paixão existirá eternamente? Quando se acredita cegamente na ausência do fim, o sofrimento se apresenta em sua vida como um carrasco que rasga a sua alma de modo que seja difícil se recuperar dos prejuízos causados, em alguns casos, algumas pessoas passam por toda a vida sem se recuperar deles.   

          A arte do desapego é uma das práticas mais complexas e difíceis de absorver na vida. Algumas pessoas confundem os sentimentos e acreditam que desapegar-se é se tornar alguém frio, que renunciou ao amor e que é desleixado em relação a seus bens, no entanto, este é um dos maiores equívocos que alguém pode ter em relação a este tema. Ser desapegado requer uma sensibilidade aflorada e clara sobre o quão breve é nossa passagem pela vida e o quão nocivo são as consequências ocasionadas pela cegueira das paixões. 

Texto autoral de Maycon de Souza

Comentários

  1. Ótimo texto!
    O apego pode estar associado a uma dependência sentimental e falta de autoconhecimento. O desapego é a forma como nos sentimos livres ou as vezes preferimos omitir determinados sentimentos pelas experiências negativas da vida!

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