A miserável banalidade do descartável
“Nada é feito para durar”, já dizia o sociólogo polonês Zygmunt Bauman ao retratar os aspectos sociais que permeiam a vida. Essa sentença torna-se mais clara e evidente quando o assunto são os relacionamentos, em especial os afetivos. Estes, por sua vez, estão cada vez mais com o prazo de validade curto, como se fossem produtos perecíveis fora da geladeira. Essa descartabilidade vem sendo cada vez mais comum, trazendo consigo transtornos emocionais que se afundam em um oceano de frustrações, criando assim, um caminho sem volta. Diante desse contexto, será que há algum paliativo capaz de amenizar essa tendência?
Vivemos no século da informação e no ápice da liberalidade comportamental. Há muito tempo o comportamento humano foi estritamente regulado e controlado por padrões extremamente conservadores de normas e condutas consideradas moralmente aceitas. Qualquer atitude diferente era tida como uma infração gravíssima à moral e aos “bons costumes”, o que ocasionava uma limitação gigantesca à liberdade de expressão. Felizmente, com o passar do tempo isso foi mudando, muito em função da democratização da informação e com o despertar do senso crítico em relação à necessidade de eliminar a compulsão do coletivismo acima do indivíduo.
Essa quebra de padrões foi um fator decisivo para que houvessem avanços em todos os sentidos dentro da sociedade, tanto tecnológicos, científicos como comportamentais. É inegável que tais mudanças são benéficas em vários aspectos, no entanto, nem tudo são flores. Quando um comportamento é reprimido em demasia por um longo período de tempo e liberta-se dessa repressão, ele tende a sair de um extremo para outro, de modo rápido e contínuo. Esse fenômeno é o chamado “efeito mola”.
Uma vez que os aspectos comportamentais atingem o extremo oposto, trazem consigo vários sentimentos responsáveis por tornar as relações descartáveis. Dentre esses sentimentos podemos citar o imediatismo, o baixo limiar à tolerância e frustrações, exigência de perfeição alheia, entre outros. Devido a esse contexto, há uma rotatividade enorme de relacionamentos na vida de um indivíduo, o que faz com que haja um desgaste emocional responsável por tornar ambos os envolvidos em pessoas inseguras e mal resolvidas consigo mesmas, além de deixá-las mais vulneráveis à doenças sexualmente transmissíveis.
Pesquisas informam que a quantidade de divórcios aumentam consideravelmente ano após ano, e os motivos são os mais variados possíveis. O casamento tornou-se um ato comercial, cuja finalidade é só decidir como será a divisão de bens no momento de sua dissolução. Situação similar ocorre também com as relações que o precedem, como o namoro e o noivado. Estes também são marcados por uma brevidade assustadora e, em muitas vezes, é movida por questões materiais e de status. É óbvio que uma relação deve ser encerrada quando não há respeito e quando é tóxica ou abusiva. Nesses casos deve-se usar a coerência e o bom senso, porém, a questão que aqui trago é a objetificação do ser humano nas relações afetivas. Em função dessa tendência, é comum que as pessoas entrem em relacionamentos já pensando quando será o momento de trocarem de parceiros, haja vista que há um pensamento predominante de uma pseudo certeza de que aquela união é descartável e que dentro de um curto período de tempo deverá ser findada.
Não prego aqui um romantismo ou algo do tipo, até mesmo porque ele é apenas um conceito subjetivo que varia de pessoa para pessoa, pois aquilo que alguém considera romântico, para outro pode não ser e vice versa. Além do mais, na vida real não existem contos de fadas, ainda que existissem, os envolvidos deveriam ser dotados de perfeição, característica essa impossível de ser adquirida pelos seres humanos. O meu objetivo é despertar uma reflexão sensata no que se refere às relações rasas e entender suas raízes, bem como as implicações que tal comportamento desencadeia na sociedade como um todo.
A facilidade no que tange a troca de parceiros é tão grande que estende-se até ao virtual. Há diversos aplicativos de relacionamentos que tem por objetivo promover relações com as mais diversas finalidades. É como se fosse um cardápio humano ou um álbum de figurinhas. Neles, você tem a opção de escolher os que melhor lhe convém e guardá-los em uma caixa para que assim possa ser usado quando julgar necessário. A objetificação do ser humano vem se tornando uma prática cada vez mais comum, tornando-o um mero item de decoração na vida uns dos outros.
No longo prazo, sem dúvidas as próximas gerações irão vivenciar na pele os colaterais ocasionados pela miserável banalização das relações humanas. Hoje, é muito mais fácil trocar do que tentar consertar. Aos poucos as pessoas estão perdendo a capacidade de lidar com os problemas de modo maduro e racional, a comunicação está cada vez mais escassa e a desvalorização humana mais evidente. Pressinto que esta situação é apenas uma porta de entrada para questões mais amplas e que poderá desencadear vários outros prejuízos psicológicos e comportamentais que vão além do que hoje podemos imaginar.
Reforço que meu intuito não é fazer nenhum juízo de valor, tampouco sentenciar o que é certo ou errado. Acredito que a liberdade é o bem maior de um indivíduo, todavia, necessário se faz refletir que nossos atos geram resultados, tanto para nós como para aqueles ao nosso redor, a questão é que nem sempre estes são proveitosos ou benéficos.
Não existe uma receita pronta no que tange os aspectos emocionais, mas entender a estrutura das relações humanas é fundamental. É importante ter a compreensão de que cada pessoa é um oceano de águas desconhecidas, que apesar de sermos movidos por impulsos, é importante buscar o equilíbrio para não sermos escravos de suas consequências. Deve-se ter uma clara definição de propósito ao se relacionar com outro, havendo transparência e respeito, mas antes, é preciso voltar para dentro de si e resolver as próprias pendências emocionais antes de submeter outra pessoa ao seu caos interior.
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