Solitude: a rebeldia de quem não precisa de aplausos
Vivemos cercados. De gente, de vozes, de notificações. Mas nunca estivemos tão sós. A solidão, nesse cenário, não é um drama romântico, é uma epidemia silenciosa. E o mais curioso: não nasce da ausência, mas do excesso. Excesso de estímulo, de desejo, de superficialidade.
Você pode estar em meio a um banquete de afeto e ainda assim sentir fome. Pode colecionar seguidores, títulos, bens materiais, e ainda assim acordar com aquele vazio que não tem nome — mas que pesa como um corpo a mais deitado ao seu lado. Solidão, nesse caso, é a consequência do desejo mimado. A criança dentro de você queria tudo. Ganhou. Agora está entediada.
O problema não é estar só. O problema é estar consigo e não suportar a própria companhia. E isso diz mais sobre você do que sobre o mundo. A solidão que tanto se teme, muitas vezes, é o reflexo do vazio que se construiu com tanto afinco. Um palácio cheio de coisas e conversas vazias. Aliás, Schopenhauer — sempre com sua visão cáustica e elegantemente misantrópica — dizia que “a solidão é a sorte de todos os espíritos excepcionais”. Bonito, não? Mas sejamos honestos: ele estava falando de solitude, não de solidão. O erro foi da tradução… ou da vaidade do leitor que quis parecer sábio sem estar pronto para ficar em silêncio.
A verdadeira solidão não é filosófica, é patética. É aquela que surge no barulho da cidade, no feed sem fim, na busca por distração constante. É o desespero por aplauso de quem não aguenta o som do próprio pensamento. E aí, como não aguenta o tédio de existir, consome. Não ideias, não arte, não reflexão — mas coisas. Coisas que ocupam espaço, que servem de amuleto contra o incômodo de simplesmente… estar.
É assim que o desejo nos vence. Ele promete sentido, entrega vício. Uma máquina de repetir vontades sem fim, que gera prazer em ter e angústia em possuir. E esse paradoxo moderno é alimentado todos os dias: quanto mais se tem, mais se sente falta. O copo não está meio vazio, ele está rachado — e a gente finge que não vê, enquanto continua enchendo.
A solitude, por outro lado, é uma escolha de lucidez. Não é fuga, é enfrentamento. Quem opta por ela não está abandonando o mundo, está recusando a superficialidade. É quem entendeu que o silêncio não é ausência de som, mas presença de si. E que, sim, é possível se bastar sem virar um ermitão. Solitude é o luxo dos que já não precisam impressionar ninguém.
Enquanto a solidão é barulhenta, carente e dramática, a solitude é sóbria, afiada e serena. Uma recusa ao espetáculo. Uma desistência consciente da performance diária de parecer feliz. Quem chega nesse lugar não precisa dizer nada — e isso incomoda. Porque o silêncio de quem está em paz grita mais alto que o desespero de quem vive tentando provar que está bem.
A questão, no fim das contas, não é se você está sozinho. É o que você faz quando está. Se entra em pânico ou em paz. Se procura uma tela para se distrair ou um espelho para se encarar. Solidão e solitude são irmãs gêmeas — mas uma é fruto do abandono, a outra da liberdade.
E talvez seja isso que mais assuste: perceber que o vazio não é ausência de algo. É a presença de tudo aquilo que você acumulou sem saber por quê.
Texto autoral de Maycon de Souza
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